Olá estudantes, professores, pesquisadores e amantes da ciência histórica. Neste blog vocês encontrarão vasto material de minha autoria sobre assuntos relacionados a esta ciência, além de vários links úteis para seu aprendizado. Bem vindos à nossa estranha confraria, que zela para que os feitos dos homens não se perdam nas névoas do tempo. Que a musa Clio nos guie nessa jornada pelo passado. #muitahistoriapracontar
quinta-feira, 2 de junho de 2011
REFLETINDO SOBRE A ARTE DE AMAR
por José Ricardo de Souza*
Um dos sentimentos mais singelos do ser humano pode estar desaparecendo. Numa época onde as razões do corpo são mais importantes do que as razões do coração, o amor vem perdendo cada vez mais espaço nos relacionamentos afetivos, que influenciados pela mídia, apostam num hedonismo desenfreado, onde a satisfação do prazer físico é a regra dominante, e a prática sexual é encarada como um fim em si mesmo, e não como um meio para a realização do casal, como deveria ser. O liberalismo do comportamento sexual, provocado após a descoberta da pílula representou um dos extremos da Revolução Sexual dos anos 60, refreada pela disseminação da AIDS, no início dos anos 80, que serviu de contraponto para uma nova moral da sexualidade, desta vez associada ao amor livre, sem grandes compromissos, mas atrelada ao uso de preservativos para prevenir a contaminação pelo HIV.
Apesar de todo o liberalismo sexual, nem todos os casais sentem-se plenamente realizados em seus relacionamentos, o que demonstra claramente que apesar de toda a informação a respeito da sexualidade e suas vertentes, ainda falta alguma coisa para atingir a compreensão de todo esse processo. A falha está justamente em privilegiar explicações meramente técnicas, muito mais ligadas ao mecanismo de funcionamento da sexualidade, sem atribuir-lhes a emotividade própria do ser humano. Apesar de biologicamente sermos animais, dotado de instintos, como o da reprodução e conservação da espécie, temos uma parte racional, que vem sendo negligenciada quando o assunto é sexualidade. E esse distanciamento, proposital, entre sexualidade e afetividade tem dado margem para alguns vazios nos relacionamentos, pois não adianta o corpo estar satisfeito, e o coração abandonado a mercê de suas próprias inquietações. Quem apostou que somente o sexo é capaz de sustentar uma relação, caiu num tremendo erro, que custou muitas separações, até mesmo entre casais bem intencionados. Isso porque o ser humano não é apenas corpo, mas também alma, coração e vida, vida esta que envolve sentimentos, que somente o amor pode despertar.
A Civilização do Sexo, livre, fácil, fortuito, sem grandes compromissos conseguiu, afinal, tirar do ser humano a sensibilidade, a capacidade inata de sentir a emoção, de perceber a riqueza do carinho, a beleza da sinceridade, e por que não a magia do respeito, não o respeito imposto, repressor, mas sim o respeito assimilado a partir da convivência com quem amamos e compreendemos. O relativismo que tomou conta dos relacionamentos materializa-se de forma explícita no Ficar, tão comum entre jovens e adolescentes, mas não menos rejeitado entre os adultos. O Ficar caracteriza-se pela total ausência de vínculos ou compromissos posteriores, onde o que vale é a satisfação momentânea do desejo, é quando o corpo fala mais do que a cabeça. Alguns pseudopsicológos admitem que é o Ficar é necessário e até mesmo útil para o amadurecimento pessoal dos jovens. Desde quando amadurecimento é sinônimo de irresponsabilidade ? De numa mesma noite, uma pessoa escolher diferentes parceiros apenas para uma sessão de sarros, carícias e amassos, e no dia seguinte, não ter coragem sequer, de encarar com quem ficou na noite anterior ? Esse tipo de "amadurecimento" pode acabar em apodrecimento. Apodrecimento de sentidos, objetivos, ideais, uma vez que o Ficar nada deixa em termos de aprendizagem afetiva, mas pode deixar como resultados uma gravidez precoce, portanto indesejada e imatura, doenças sexualmente transmissíveis, pois a questão das DSTs não se resolve com a propaganda indiscriminada do uso de preservativos, mas sim com a conscientização a cerca da sexualidade sadia, vivida de forma natural, sem prender-se a modismos impostos pelos meios de comunicação, nem render-se aos apelos da sociedade, que insistentemente cobra das pessoas ações muitos mais irracionais e imaturas, do que posturas sérias e pensadas. Quem procura fugir do esquema imposto, quase sempre é visto como afeminado, idiota, bobão e outros adjetivos similares, atribuídos por amigos e vizinhos.
Nada mais sólido para alicerçar um relacionamento afetivo do que o amor verdadeiro, pois somente um sentimento como o amor é capaz de derrotar nossa individualidade, a fim de que um "eu" possa juntar-se a um "tu" para constituir um "nós". Um amor que se constrói a cada momento que descobrimos como fazer alguém feliz, tomando como princípios o carinho, o respeito, a fidelidade, a sinceridade, a tolerância, e muito diálogo para sanar toda e qualquer divergência. Sem amor, de nada adianta buscar o outro, ainda que seja apenas para a cama, pois mesmo realizados sexualmente, nosso ser busca algo mais intrínseco e subjetivo que somente o amor possui, pois o amor é a síntese perfeita entre o ser e o prazer, a razão e a emoção, a sensibilidade e a sexualidade. O sentido do amor está justamente em buscar o equilíbrio, o ponto de encontro, onde possamos ser iluminadores e iluminados, inseparáveis e insuperáveis, donos de nossa vontade, sem deixar-se escravizar apenas pelo desejo, mas descobrindo a cada momento a felicidade compartilhada, aquela que se conquista a dois.
Deixem o romantismo desaparecer, esqueçam o que o amor é capaz de fazer pelas pessoas, neguem a importância dos sentimentos, e teremos um mundo perdido nas veredas do hedonismo desenfreado, onde o Império do Prazer poderá dar ao homem qualquer coisa, menos sua felicidade. Como animais racionais precisamos do sentir antes do agir, do gostar antes de amar, do refletir antes do querer, portanto de mais sentimentos e emoções do que de alguns gemidos que nada expressam além de um prazer momentâneo, que acaba-se após alguns segundos. Nada temos contra a prática sexual, pois o sexo é belo e singelo em essência, mas a sociedade maculou essa prática, banalizando-a como uma mercadoria ou objeto que após o uso se descarta e joga-se fora. Um exemplo disso são os milhões auferidos pela indústria do erotismo e da pornografia, que levantam cifras fabulosas ancoradas na falta de respeito pela dignidade do corpo humano, explorado como um objeto de desejo e de consumo imediato. A sociedade que mercantiliza o corpo e os valores é a mesma que prega com falso moralismo contra as prostitutas, as adolescentes grávidas, as famílias desestruturadas, os menores de rua, que são os rebentos de toda essa distorção de valores no que concerne à sexualidade humana.
Cada vez fica difícil levar adiante um projeto afetivo que inclua o amor como eixo principal, uma vez que é muito mais cômodo acreditar no corpo, que se vê e se pega, do que investir num sentimento que não se pode ver ou pegar, apenas senti-lo. Ainda assim, diria que mesmo estando em desvantagem, o amor ainda é o caminho mais sensato para quem realmente deseja alcançar a realização afetiva. É preciso também discernir entre o amor que parece ser, mas que não o é, estou me referindo a esse amor banalizado, que na verdade é muito mais desejo e paixão do que amor. Parafraseando Dostoievski, um dos maiores nomes da literatura russa, diríamos que "é a beleza do amor que salvará o mundo, desde que salvemos a beleza". Ainda há tempo para resgatar o sentimento amoroso do ostracismo, mas isso só se tornará possível quando cada um descobrir em si mesmo a essência do afeto, contida na parte mais terna o nosso ser, num coração verdadeiramente apaixonado. Portanto, amar é possível, sonhar com essa beleza do amor, é necessário.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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