Olá estudantes, professores, pesquisadores e amantes da ciência histórica. Neste blog vocês encontrarão vasto material de minha autoria sobre assuntos relacionados a esta ciência, além de vários links úteis para seu aprendizado. Bem vindos à nossa estranha confraria, que zela para que os feitos dos homens não se perdam nas névoas do tempo. Que a musa Clio nos guie nessa jornada pelo passado. #muitahistoriapracontar
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
O SENTIDO DA MORTE
por José Ricardo de Souza*
Uma das passagens mais celebre e conhecidas da obra de William Shakespeare, é aquela em que o rei Hamlet observa um crânio, diante do mar, e pergunta-se: “ser ou não ser, eis a questão”. Afinal, quem somos, senão seres que cumprem aquilo que os cientistas denominam de ciclo da vida, ou seja, nascemos, crescemos, reproduzimos outros seres da mesma espécie, e finalmente morremos. O conflito existencial da máxima shakespereana, do ser ou não ser, é a busca daquilo que chamamos sentido da vida. A busca deste sentido da vida está diretamente relacionada com nossos objetivos e perspectivas, passando também por nossas convicções pessoais, religiosas e filosóficas. Descobri-lo, pode ser o diferencial entre atingir a felicidade ou amargar o vazio de uma vida sem rumo definido. Se encontrar um sentido para a vida, que conhecemos (ou pelo menos, tentamos compreender e interpretar), imagine então, achar um sentido para a morte, o que se torna um desafio ainda mais intrigante.
A morte sempre foi um tema proscrito das análises mais cientifica, sua explicação, ficou relegada aos religiosos, filósofos e teólogos, cada qual a sua maneira, e de acordo com suas conveniências, procuraram demonstrar a morte e suas facetas. Numa análise mais materialista, e portanto, dentro de uma perspectiva cientifica, a morte significa o fim da vida, e nada a mais que isso. Os conceitos de alma, espírito, céu, inferno, purgatório são literalmente diluídos numa apologia do fim em si mesmo, a qual nenhum ser vivo poderá escapar disso um dia. As explicações religiosas propõem a eternização da vida, ainda que seja uma forma de vida além túmulo, e discordam da morte como um fim em si mesmo.
Se a vida é uma passagem, curta passagem humana pela Terra, a morte seria então uma nova passagem, desta vez para uma nova vida, num plano espiritual diferente do nosso, imaginado de diversas maneiras pelos mais diferentes credos e culturas pelo mundo afora. Desde a mais alta antiguidade, que o ser humano sempre rejeitou a idéia da morte como fim da vida. As civilizações antigas, egípcios, principalmente, sempre buscaram a imortalidade da alma, como um meio de vencer a morte física, visível, e imediata. A cosmologia hebraica, lembra que na lenda do Éden, Eva provou do fruto da árvore do conhecimento porque queria ser imortal como Deus (c.f. Gn 3,4). Os gregos e romanos também prestavam culto aos seus mortos. E nas religiões asiáticas, budismo, hinduísmo, taoísmo, a morte sempre foi tratada como uma continuidade da vida, necessária a evolução dos espíritos desencarnados, que poderiam retornar à vida terrena através de sucessivas reencarnações.
A herança judaico-cristã predominante na nossa cultura ocidental, transformou a morte, numa segunda vida, numa volta à divindade, cumprindo o que fora prescrito nas escrituras: “és pó, e ao pó retornarás” (c.f. Gn 3,19). Entretanto, para gozá-la em sua plenitude, é necessário seguir uma vida terrena dentro de determinados princípios, que incluem regras de morais, éticas e religiosas. Numa perspectiva cristã, não existem outras chances de retorno à vida, ou seja reencarnar, nem de comunicação entre os vivos e os que já partiram, mas existe a promessa da ressurreição, ou seja, nos últimos dias, antes do grande juízo final, os mortos ressuscitarão (c.f. I Ts 4,16). A doutrina aceita pelos evangélicos cita apenas o céu ou o inferno como o destino das almas após a morte; já na teologia católica, existe além destes, o purgatório, que seria um estágio de purgar, ou seja, limpar, purificar, as almas que não se encontram totalmente perdidas.
A morte, como podemos perceber, pode ser entendida de diversas formas, quer seja como uma conclusão da vida, ou mesmo como uma continuidade dela. A tradição oriental lembra que não devemos nos esquecer dos antepassados. As culturas indígenas sempre praticaram rituais em memória dos que já se foram. Entre nós, o dia 2 de novembro, foi escolhido para reverenciar nossos entes queridos, com flores, velas, orações e visitas aos cemitérios. Se isso é válido ou não, não nos cabe aqui discutir, apenas algumas coisas podemos tomar como verdadeiras: o pensamento de Lamartine (escritor francês) que dizia que “esquecer os mortos, é esquecer-se de si mesmo”, e a última frase da oração franciscana “é morrendo que se vive para a vida eterna”. Quisera que pudéssemos entender melhor a morte, não como o último ato da vida, mas como o primeiro passo para um outro plano, mais próximo da espiritualidade, onde talvez seja possível finalmente descobrir o verdadeiro sentido da vida.
Artigo publicado na Folha de Pernambuco, edição de 17 de novembro de 2002
Parabéns pela sua escrita. Abraço de Ana Maria Oliveira
ResponderExcluirMuito agradecido minha cara. Cordial abraço. :)
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