Olá estudantes, professores, pesquisadores e amantes da ciência histórica. Neste blog vocês encontrarão vasto material de minha autoria sobre assuntos relacionados a esta ciência, além de vários links úteis para seu aprendizado. Bem vindos à nossa estranha confraria, que zela para que os feitos dos homens não se perdam nas névoas do tempo. Que a musa Clio nos guie nessa jornada pelo passado. #muitahistoriapracontar
sábado, 4 de junho de 2011
FICAR POR FICAR
Por José Ricardo de Souza*
Num dos maiores sucessos de Luiz Gonzaga, podemos extrair o seguinte verso: "ela só quer, só pensa em namorar", se fosse composto hoje (a música é de 1953) o Xote das Meninas teria que substituir o termo namorar por Ficar, o mais recente modismo do mundo teen. Ninguém pensa mais em namorar depois que a mídia, principalmente televisiva (através de suas novelas e séries dedicadas ao público adolescente) investiu pesado na propaganda desse modelo de relacionamento social, até como uma alternativa para o antigo namoro. O "Ficar" pode ser conceituado como uma relação temporária entre jovens e/ou adolescentes que buscam no outro a satisfação de um prazer momentâneo, seja através de toques e carícias, podendo culminar ou não em relação sexual. O que marca, entretanto, o "Ficar" é a ausência total de vínculos ou compromissos, uma vez que quem fica, fica apenas por uma noite ou uma festa, e no dia seguinte podem passam um pelo outro sem sequer cumprimentarem-se.
Uns defendem o "Ficar" como um momento privilegiado de descoberta da sexualidade, principalmente para o adolescente, que antigamente era condicionado a procurar prostitutas (no caso masculino) ou a reprimir o desejo para após o casamento (no caso feminino). Seguindo essa linha de pensamento, afirma-se que o "Ficar" liberou os jovens para uma vivência mais saudável da sexualidade, sem os preconceitos ou culpas impostos pela moral da sociedade antiga, marcando novos paradigmas para a iniciação sexual desses jovens, o que daria a eles um amadurecimento precoce no que concerne às questões da afetividade e da sexualidade humanas. O "Ficar" passaria a ser, dentro dessa visão, um cursinho de sexo para principiantes, a cartilha de quem quer apenas satisfazer aos desígnios do instinto.
No lado oposto, a crítica ao "Ficar" advêm tanto dos grupos mais conservadores, principalmente os religiosos, quanto de grupos mais moderados, que vêem no "Ficar" uma apologia da irresponsabilidade e da falta de compromisso entre os adolescentes. Talvez, a maior crítica ao "Ficar" seja o esvaziamento do lado afetivo e emocional, que leva o jovem a desprezar, conscientemente ou não, o aspecto afetivo da relação, deixando uma lacuna que somente o amor é capaz de preencher. Na lógica do "Ficar" as razões do coração ficam abafadas e esquecidas sob o apelo incontido do desejo carnal, que é quem dita as regras do jogo da sedução e o exercício de uma sexualidade descompromissada, sem maiores preocupações com as conseqüências do sexo irresponsável como a disseminação de doenças ou até mesmo uma gravidez indesejada.
No decorrer desse processo do "Ficar", os adolescentes e jovens perdem a oportunidade de amadurecerem do ponto de vista psiquíco-afetivo, porque investem numa relação, cuja própria essência é vazia de sentido, ou melhor de sentimento de um pelo outro. Ocorre uma autêntica banalização do sentimento afetivo, uma vez que após o "Ficar" a pessoa é totalmente descartada, como se fosse uma mercadoria sem valor ou um objeto em desuso. O ser humano perde sua dignidade, a medida em que é usado para a realização de um prazer momentâneo e após a consumação do sexo, abandonado às suas próprias dúvidas e frustrações. O amor de uma única noite, jamais se comparará ao amor de todas as noites de uma vida, porque o ser humano carece dessa certeza de que ama e é amado, que justifique o relacionamento a dois.
A prática do "Ficar" acabou por irrelevar sentimentos e valores que serviam de alicerce para relacionamentos mais duradouros e estáveis, como o noivado e até mesmo o casamento, e desde então mantém a preferência numa geração doutrinada para o culto do ego, o endeusamento de si mesmo, e o esquecimento das convecções éticas e morais. As manifestações do amor sincero, que supõe respeito e fidelidade, ficam confinadas a algumas pessoas e/ou grupos que por opção, preferem nadar contra a correnteza dos que defendem o amor livre, sem regras ou limites. No namoro, podemos afirmar que alguma lição que precisava ser aprendida fica de fato na formação de quem namora seriamente, mas o que fica num "Ficar", senão um desejo, quase insaciável de querer mais e mais, o que leva a buscar outros "Ficares", às vezes até mais de um numa mesma noite. Afetividade rima com maturidade, e esta é resultado de envolvimentos sólidos, estáveis, que sabem lapidar o amor até atingir sua mais profunda essência. Ficar por Ficar, estamos ficando mais comodistas, mais insensíveis e muito, mas muito irresponsáveis, porque o amor exige respeito e compromisso para ser e fazer alguém feliz.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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