Olá estudantes, professores, pesquisadores e amantes da ciência histórica. Neste blog vocês encontrarão vasto material de minha autoria sobre assuntos relacionados a esta ciência, além de vários links úteis para seu aprendizado. Bem vindos à nossa estranha confraria, que zela para que os feitos dos homens não se perdam nas névoas do tempo. Que a musa Clio nos guie nessa jornada pelo passado. #muitahistoriapracontar
sábado, 4 de junho de 2011
AMOR ALÉM DAS APARÊNCIAS - afetividade e sexualidade no universo dos deficientes
por José Ricardo de Souza*
"O essencial é invisível aos olhos"
Antoine de Saint-Exupéry
Existe sentimento afetivo-amoroso ou de desejo sexual que possa ser direcionado para uma pessoa portadora de deficiência ? Há quem acredite que não, que as pessoas deficientes não podem ou não devem manter relacionamentos que exprimam sua afetividade ou mesmo sua sexualidade. É como se a sociedade fizesse questão de castrar o deficiente de um direito seu, que é o de vivenciar de maneira sadia todo o potencial psíquico-afetivo que qualquer pessoa possui. Por isso, causa estranheza ver-se nas ruas casais de deficientes, expondo suas vidas afetivas de maneira normal, como qualquer mortal do planeta. Pessoas cegas, paralíticas, surdas ou mudas, e até mesmo deficientes mentais tem demonstrado que por trás de uma deficiência existe um ser humano, com todas as características que as permitem definir como pessoas capazes de gostar, de amar e porque não de seduzir outras pessoas. A problemática, surge, porém, quando o deficiente não é aceito pela sociedade, por ser uma pessoa diferentes dos padrões estéticos impostos pela mídia. Assim, por exemplo, discrimina-se quem não pode ver ou andar, como se estas pessoas fossem seres de terceira ou quarta categorias, portanto excluídas do mundo das pessoas que se julgam "normais". Esse tipo de preconceito cresce na mesma proporção da condição social do deficiente, portanto quanto mais empobrecido, mais excluído do meio social, ele o será.
O que vale num julgamento individual não é o que a pessoa parece ser, ou seja, suas aparências. Uma laranja madura, bonita na beira da estrada, pode estar bichada, assim cantava-se há alguns anos atrás. Uma pessoa fisicamente normal, com seus dotes bem elaborados, pode camuflar um mau caráter, ou alguém sem escrúpulos, mas que será amplamente disputado no meio social, por apresentar aquilo com o qual fomos condicionados a buscar, quando o assunto é amor e/ou sexo, que é um corpo belo e perfeito. Enquanto formos prisioneiros das aparências, jamais poderemos atingir à essência das pessoas, porque esta é um atributo que não se vê, mas que se sente. A essência é quem determina o que realmente somos, com nossas virtudes e imperfeições, a partir dela, é possível saber com quem estamos lidando, pois a partir da essência se revela o caráter e a personalidade das pessoas. Amar uma pessoa deficiente é descobrir a essência escondida num ser que a sociedade julga pelo que parece ser, e não por aquilo que é. Infelizmente, a nossa cultura ainda está atrelada aos valores do esteticismo perfeccionista, que induz um preconceito disfarçado na mentalidade coletiva como um recurso para separar as pessoas normais das não-normais, de forma a preservar a pureza, e por que não dizer também a beleza, da espécie. Não é a toa, que pessoas deficientes são vistas como intrusas nos ambientes sociais mais destacados, são algo de chacotas ou de estereótipos forjados por programas de baixo nível, e constantemente duvidados em sua capacidade, principalmente de amar e fazer alguém feliz e realizado na vida e na cama.
Quem não vê, não anda, não ouve ou não fala, nem consegue organizar o raciocínio pode ser muito mais carinhoso e atencioso do que se pensa. Por que não dar ao deficiente a oportunidade de demonstrar o quanto ele é capaz de exercer sua afetividade e sua sexualidade sem recorrer aos traumas da vida cotidiana ? Basta que as pessoas se conscientizem e soltem-se das amarras do preconceito imposto por padrões sociais ultrapassadíssimos, incondizentes com a nova realidade que se vem nos próximos anos, onde o importante não vai ser o mais bonito perante o grupo social, mas sim o mais inteligente, o mais apto, o mais capaz, e isso, as pessoas tidas como "deficientes" têm demonstrado uma competência fora do comum, sinal de que elas podem ser úteis para a sociedade, sem precisar recorrer à imagem do "coitadinho" que precisa de amparo para sobreviver. Quando se dão oportunidades às pessoas certas, sejam elas deficientes ou não, as potencialidades brotam como uma cachoeira de idéias, de ações, enfim de estímulos para viver com dignidade. E isso custa tão pouco, mas às vezes a sociedade nega esse direito às pessoas que não são iguais à maioria, e o peso da discriminação reforça ainda mais a miséria em que estão jogados os deficientes no Brasil.
Amar alguém que é deficiente pode ser uma experiência riquíssima em termos de amadurecimento psíquico-afetivo, é o primeiro sinal para superar a visão limitada das aparências, e enxergar, dessa vez com os olhos do coração, o quanto os deficientes podem ser bons amigos, companheiros e amantes. Ver a pessoa deficiente como um ser assexuado, sem o direito de amar e ser amado, é uma visão distorcida da realidade, e que vale apenas para aumentar o grau de distanciamento que se impõe às pessoas deficientes. Esperamos que, com o próximo milênio, surja também uma cultura de valorização do nosso irmão diferente, que ele seja inserido na sociedade como uma pessoa normal, igual a qualquer um, pois se externamente somos diferentes, o nosso interior é tão parecido, que se voltássemos o olhar para o íntimo de cada um de nós, veríamos o quanto somos tolos quando alimentamos idéias preconceituosas e ações discriminatórias. Talvez, um dia, a consciência universal descobrirá que tanto deficientes quanto pessoas normais são iguais no que concerne a capacidade de amar a seu semelhante, portanto, predestinado, a através do sentimento, tornar a vida mais bela, o mundo verdadeiramente mais bonito, à medida que aprendermos que a verdadeira beleza não é aquela que se vê, mas sim, aquela que se sente.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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