quinta-feira, 12 de agosto de 2021

💣⚓⚰️ KURSK - A TRAGÉDIA QUE AFUNDOU O ORGULHO NACIONAL RUSSO ⚰️⚓💣

📝 por José Ricardo de Souza

⏳ Historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE ⌛

A agonia dos tripulantes do submarino russo Kursk, naufragado a cem metros de profundidade nas águas geladas do Mar de Barents, comoveu a opinião pública internacional, que se viu envolvida numa trama que mistura terror e ansiedade, medo e desespero, oração e esperança. Entretanto, apesar dos esforços das equipes internacionais, a tragédia veio a tona: o Kursk acabou tornando-se o túmulo de 118 pessoas, que morreram no mais absoluto silêncio das profundezas das águas. Ninguém conseguiu escapar da tragédia, que desde o dia 12 de agosto vem chamando a atenção da comunidade internacional. Ao todo, foram nove dias, em que os parentes da tripulação puderam experimentar um mínimo de esperança no resgate dos possíveis sobreviventes, em meio às informações desencontradas da marinha russa. A dor dos que ficaram em terra, aguardando pelos seus entes queridos, foi um espetáculo torpe, onde lágrimas se misturavam aos gritos de desespero de quem, de fato, sabia a quem atribuir a culpa pelo fracasso da operação de resgate, ou seja, ao governo russo. Este sim, co-autor de uma tragédia que poderia ter-se tornado menos dura, com o salvamento de algumas pessoas, nunca saberemos se poucas ou muitas (fala-se numa explosão que teria matado uma parte da tripulação), mas a verdade é que, em nome de um segredo de Estado, por se tratar de um submarino nuclear de uso militar, a Rússia recusou, de antemão, a ajuda internacional da Otan, que poderia ter sido providencial para o socorro dos sobreviventes.  

Por dois dias, o governo russo tratou de resolver o problema a sua maneira: mentindo para a opinião pública, sonegando ou manipulando informações, apostando numa tecnologia obsoleta que acabou sendo derrotada pelas adversidades do tempo, e pior, nada conseguiu fazer para chegar até o submarino e resgatar os sobreviventes. Enquanto isso, ainda se podiam ouvir as batidas no casco do submarino, em código Morse (a linguagem usada nos telégrafos) os marinheiros aflitos depositavam suas últimas esperanças, antes do submarino ser totalmente inundado. Entretanto, para o governo russo, o que estava em jogo não eram as vidas daquelas pessoas, mas sim razões e segredos de Estado, que jamais poderiam ser violados, em nenhuma circunstância. O presidente russo, Vladimir Putin, agiu como se estivesse em plena Guerra Fria, apelou para os arcaicos lemas das ditaduras comunistas, de morrer se preciso, desde que o monolítico aparelho do Estado não fosse abalado. A população, todavia, não engoliu esse tipo de desculpa. Acusou, e ainda acusa, Putin de omisso e responsável pela péssima forma como foram conduzidas as operações de resgate. Quem sabe, se a Rússia aceitasse, ainda no domingo, um dia posterior ao acidente, a ajuda internacional que lhe foi oferecida, o resultado não teria sido diferente ? Tudo bem que se um submarino americano naufragasse nas mesmas circunstâncias do Kursk, os Estados Unidos também recusariam a ajuda de outros países, mais uma vez as razões do Estado acima das do indivíduo, mas isso não tira a culpa, nem a responsabilidade do governo pelas mortes ocorridas no acidente. O governo russo já se prontificou em indenizar as famílias das vítimas, mas nenhum dinheiro do mundo pagará o preço das vidas que foram sacrificadas unicamente para que se preservasse o segredo nuclear russo. Eram, em sua maioria, pessoas jovens, cheias de vida e projetos, que foram bruscamente interrompidos, deixado famílias, amigos, parentes inconformados, de forma que nada poderá aplacar o vazio deixado pelos heróicos marinheiros do Kursk.

A confirmação da morte dos marinheiros não encerra o caso Kursk, ainda há muito o que se esclarecer. As causas do acidente, por exemplo. O que, de fato, provocou o naufrágio do Kursk, e mais, estaria, ou não, carregado com armamento nuclear ?  E finalmente, por que não explicar com clareza o que um submarino, como o Kursk, estava fazendo naquela área ?  Seriam apenas exercícios militares? O governo russo precisa dar algumas respostas, pois o mundo inteiro acompanhou chocado o desenrolar de toda essa tragédia, e precisa manter-se bem informado sobre as verdadeiras intenções da Rússia, principalmente quando o assunto é armamento nuclear. A Rússia acabou tornando herdeira de boa parcela do arsenal bélico da ex-URSS, que mesmo ultrapassado continua representando uma ameaça para a humanidade. O caso do Kursk, por exemplo, se esse submarino contém armamento nuclear, que segurança possui para não entrar em contato com o ambiente em caso de acidentes, como o que aconteceu? Será que a Rússia tem tratado seu lixo atômico com o devido cuidado que lhe é necessário, ou será que está tão abandonado quanto o povo russo, que aliás após ser jogado no capitalismo internacional, anda tão desesperado, que até igrejas neopetencostais já andaram se instalando por lá (sinal dos tempos ?), coisa que no socialismo não acontecia.

Com o Kursk não afundaram apenas as vidas de 118 pessoas, mas também o próprio orgulho nacional do povo russo, que se viu traído pelas autoridades (in)competentes do seu país, principalmente pelo seu presidente, Vladimir Putin, que mesmo com a tragédia preferiu ficar mais alguns dias em sua casa de férias. Deixo minha solidariedade ao povo russo, afinal, nós brasileiros, já estamos acostumados com esse tipo de orfandade por parte dos governantes, principalmente nos momentos de maior comoção social. Quem sabe com o sacrifício desses marinheiros, os governos, de qualquer ideologia ou posição política, possam refletir melhor e aprenderem que acima das razões do Estado deve estar a vida humana, esta sim, um bem cujo valor é imensurável e incompatível com os nossos critérios materiais. Se o governo russo pensasse dessa forma, talvez a tragédia do Kursk tivesse tido um final diferente: com alguns sorrisos, em vez de lágrimas e destruição.

📖✍️ Artigo publicado no Jornal Folha de Pernambuco, edição de 4 de setembro de 2000.

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