segunda-feira, 10 de novembro de 2025

💪👊🙋 A REPÚBLICA É FILHA DE OLINDA 🙋👊💪


por José Ricardo de Souza*

Quem passa na rua Bernardo Vieira de Melo, no centro histórico da cidade de Olinda, talvez não perceba em frente ao Mercado da Ribeira, um pedaço bem espesso de uma antiga parede, o que restou do antigo Senado olindense, um monumento pouco convencional, mas de grande importância e significado histórico. Foi ali naquele local, no dia 10 de novembro de 1710 que pela primeira vez nas Américas foi ventilada a ideia de um governo republicano, em pleno período colonial e dentro de um conflito pouco conhecido e estudado chamado Guerra dos Mascates (1710-1711), que colocou em lados opostos a cidade de Olinda e sua co-irmã, a vizinha Recife.

Após a expulsão dos holandeses de Pernambuco (1654), a economia agromanufatureira entrou em crise por conta da concorrência externa do açúcar antilhano, que era comercializado pelos holandeses. Apesar da crise econômica, a oligarquia rural e escravista mantinha seu poder na capitania, ocupando cargos importantes no Senado e na Câmara de Olinda, onde tinham imóveis e controlavam a política local.

Enquanto isso, o Recife confirmava sua vocação para o comércio e cidade portuária, ocupada principalmente por portugueses e seus descendentes, que se enriqueciam com a venda de produtos importados da Europa, mas eram vistos com desprezo pelos olindenses, que lhes atribuíram um apelido pejorativo de “mascates”. Vale salientar que foram os portugueses endinheirados que emprestaram recursos aos senhores de engenho olindenses, que ficaram muito endividados, mas não  queriam perder a postura aristocrática de “donos da terra e de escravos”.

A gota d’água para estourar o conflito foi a colocação do pelourinho no Recife pelo governador Sebastião de Castro e Caldas em 14 de fevereiro de 1710, atendendo a uma solicitação antiga dos recifenses, que queriam a autonomia da cidade. O gesto foi considerado uma provocação para os olindenses que queriam manter Olinda como vila e sede da capitania e eles decidiram ir até às últimas consequências, incluindo a luta armada, para garantir isso.

É nesse contexto de conflito interno que Bernardo Vieira de Melo propôs no antigo Senado da Câmara olindense, durante a sessão de 10 de novembro de 1710, a criação de uma república na cidade, ideia que nunca tinha sido pautada antes no continente americano, que na época era um grande conglomerado de colônias de países europeus – portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e franceses – em sua maioria colônias de exploração, cuja finalidade eram fornecer matérias-primas e produtos primários ou semi-manufaturados aos mercados europeus. O fato histórico é citado por Oscar Brandão da Rocha na letra do Hino de Pernambuco: "a República é filha de Olinda".

A república de Vieira de Melo pouco tinha a ver com ideais republicanos que hoje conhecemos, como liberdade, democracia ou justiça social, pois o que ele queria mesmo era uma república aos moldes venezianos, oligárquica, elitista e pouco democrática, que representasse os interesses dos grandes senhores de engenho pernambucanos; mas já era visível o desejo de tornar Pernambuco independente de Portugal, com autonomia política-administrativa, maior do que aquela oferecida pela Coroa quando elevou Recife à categoria de vila em 19 de novembro de 1709.

A ideia de criar uma república num território dominado por uma metrópole europeia não vingou, aliás, provocou uma reação repressora dos portugueses que prenderam Vieira de Melo e mandaram-no para Lisboa, onde veio a falecer de uma forma bem inusitada em 1714. Ele estava preso num calabouço escuro e úmido e acendeu um fogareiro que encheu o ambiente fechado com fumaça, provocando sua morte por sufocamento.

Bernardo Vieira de Melo não foi esquecido, e virou nome de ruas e avenidas em Olinda e no Rio Grande do Norte, onde ele chegou a ser governador durante alguns anos. A Guerra dos Mascates terminou sem vencedores, nem vencidos, mas deixou uma brecha aberta para a mudança definitiva da capital da, então província, de Pernambuco para Recife em 1837. A cidade de Olinda teve seu o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade foi tombado pelo IPHAN em 1968, e se tornou patrimônio cultural da humanidade em 1982, quando foi inscrita na lista da UNESCO.

O sonho de Vieira de Melo seria acalentado mais adiante nas Conjurações Mineira de 1789 e Baiana de 1798, e novamente entre os pernambucanos em 1817, quando lograram realizar este ideal por 75 dias. Alguns historiadores e estudiosos citam o período regencial (7 de abril de 1831 a 23 de julho de 1840) como sendo uma experiência republicana, uma vez que o país passou a ser governado por pessoas não ligadas à sucessão dinástica dos Braganças. Foi um período turbulento, com muitas revoltas de norte a sul do país – Cabanagem, Balaiada, Sabinada, Farroupilha, Malês – e com a presença de um pernambucano no poder: Pedro de Araújo Lima, nascido no Engenho Antas (PE), distrito de Serinhaém.

A experiência republicana no Brasil só viria a se realizar permanentemente em 1889 quando o Marechal Deodoro da Fonseca, com o apoio dos militares positivistas e dos cafeicultores paulistas, deram um golpe de Estado que pôs fim ao Império que estava sob o comando do Imperador D. Pedro II

* O autor é professor da rede pública estadual de ensino, historiador, escritor e pesquisador. Membro da ALAP, IAHGP, IHGAAP e da UBE-Paulista. Criador do projeto Muita História pra Contar. ⌛

Nenhum comentário:

Postar um comentário