por José Ricardo de Souza*
historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE.
Quando se fala em patrimônio histórico, a primeira ideia que nos vem a mente, é de que se trata de construções antigas, monumentos abandonados, enfim coisas velhas, que, nós historiadores, insistimos em preservar. Entretanto, a questão da preservação do nosso patrimônio histórico, é muito mais séria do que se pensa, ainda mais quando temos um Estado, como é o caso de Pernambuco, com um acervo riquíssimo em termos de valor histórico e documental, e que aposta no turismo, como uma atividade promissora e rentável. É impossível desvencilhar o patrimônio histórico da atividade turística, ambos apresentam uma simbiose, difícil de ser rompida. Todavia, preservar o patrimônio histórico apenas por uma questão turística é relevar a amplitude da importância desse material, como fonte de pesquisa, como representação de uma época, e principalmente como um meio de resgatar para as gerações futuras, toda uma realização cultural, que não pode ser desprezada. O turismo, pode incrementar a discussão sobre a preservação, mas nunca atuar como fator determinante do que deve ou não ser resguardado, pois o turismo, como qualquer atividade econômica, atende aos interesses do capital, que nem sempre coincidem com os da ciência histórica.
Um dos argumentos mais discutidos, contra a preservação de alguns monumentos e edificações, principalmente Igrejas do período colonial, seriam os altos custos, em termos de recursos financeiros e a falta de uma mão-de-obra especializada em recuperar algumas obras. Os mais desavisados poderiam até defender que estas verbas deveriam ser aplicadas em obras do presente e do futuro, como em escolas e hospitais, mas fica a pergunta: "o que nos acontecerá se perdermos nossos referenciais históricos, que atestam nossa identidade cultural, enquanto povo legitimamente organizado?" Seria como arrancar das plantas, a raiz que lhes conduz os nutrientes necessários a manutenção da vida. O mesmo se dá com os povos que não respeitam o legado artístico, histórico e cultural dos seus antepassados. A eles, restarão um cultura submissa, subjugada aos interesses dos poderosos, perdida entre o tempo e o espaço. A preservação do patrimônio histórico não é, como pode se supor, uma excentricidade, não se trata de guardar um lote de quinquilharias, mas é uma necessidade do presente, que precisa dos resquícios do passado, para reconstituí-lo e estudá-lo, até como um tributo aos que construíram esse patrimônio.
A falta de uma política cultural séria, comprometida com as necessidades dos pesquisadores e historiadores, tem comprometido, e muito, a continuidade de alguns trabalhos desenvolvidos em várias partes do país. Afinal, não se pode pensar sem obras de preservação e/ou restauração sem um amparo legal das autoridades competentes, legalmente constituídas para isso. É vergonhoso, imaginar que, trabalhos de preservação no Brasil, só acontecem mediante a intermediação de entidades internacionais, ou com o apoio da iniciativa privada. É muita falta de respeito com a própria identidade do povo, que estes monumentos representam. A sociedade civil organizada precisa estar atenta para este problema, pois a sociedade será a grande prejudicada, se não tomarem medidas cabíveis para administrar o caos em que se encontram nossas relíquias do passado. Um exemplo disso é Olinda, um dos maiores museus a céu aberto do mundo reconhecida pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, mas qual o estado em se encontra Olinda, mais precisamente o sítio histórico? É de fazer chorar o lixo que invade as calçadas, as construções e reformas inadequadas, a falta de preservação em ruas e Igrejas, e o mais grave a insegurança que ronda a cidade alta, ameaçando turistas e moradores. Todavia, o descaso se estende em várias cidades de Pernambuco, como por exemplo, em Itamaracá, com a Vila Velha, em Paulista, com as ruínas da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Recife, com o abandono do Marco Zero (esquecido no museu das cinco pontas), no Cabo e em Escada, com o desmantelamento dos antigos engenhos, e por ai segue uma lista interminável de abandonos, destruições e falta de compromisso para com o patrimônio histórico.
A continuidade desse processo de destruição do patrimônio histórico tenderá para perdas irreparáveis de todo um material, culturalmente elaborado por um povo, que retratou a sua época e por sua vez registrou o seu destino. Cabe a nós, geração descendente, lutar pela conservação, manutenção e recuperação desses sítios históricos, pois é através deles, que poderemos contar para nossos filhos e netos, quem foram e o que fizeram nossos antepassados. Sem o patrimônio histórico, fica difícil, quase impossível identificar e recuperar dados que permitam o estudo desses grupos que viveram há tempos atrás. Defender o patrimônio histórico não é apenas uma questão de estudiosos em História, mas compromisso de quem acredita que as melhores respostas para as dúvidas do presente estão justamente nos caminhos que a humanidade trilhou, marcados por monumentos, construções, Igrejas que retratam quem fomos e o que podemos vir a sê-lo.
* Artigo publicado no Jornal Folha de Pernambuco, edição de 28 de outubro de 2000.
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