sexta-feira, 14 de maio de 2021

⛈️💦🌊 ENCHENTES - A TRAGÉDIA ANUNCIADA 🌊💦⛈️

📝 por José Ricardo de Souza

Historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE

As últimas chuvas ocorridas em Recife e parte da região metropolitana deixaram um saldo negativo de mortes, destruição e desabrigados, isso sem contar nos prejuízos do comércio e da indústria. Por toda parte, o que se viu foi um espetáculo grotesco de ruas alagadas, bairros isolados pela água, barreiras desabando sob o peso das chuvas. O que falta para configurar o caos, então? Nada. A mesma resposta para a seguinte pergunta, o que as autoridades (in)competentes fizeram para prevenir as conseqüências de chuvas torrenciais, um fenômeno pluviométrico cada vez mais comum no litoral nordestino, portanto, previsível e latente? Entretanto, mais uma vez os responsáveis pelo zelo da cidade e do Estado negligenciaram os avisos da tragédia que estava para acontecer. E quem acabou pagando caro foi a população, como sempre vítima da má administração que campeia em nossas cidades.

A cidade do Recife, por exemplo, seus problemas de mau escoamento das águas pluviais remontam ao período da colonização, pois como é de conhecimento geral, o plano urbanístico da cidade foi realizado pelos holandeses, um povo habituado a lidar com altitudes inferiores ao nível do mar (um terço do território holandês está situado abaixo do nível do mar). A cidade cresceu apoiada em áreas de aterro e soterramento dos manguezais que cobriam os cursos dos rios Capibaribe e Beberibe. Com a expulsão dos holandeses, os portugueses não conseguiram dar continuidade à obra holandesa, por falta de conhecimento técnico e de recursos, mas continuaram aterrando e conquistando terras do mar. Por conseqüência, o sítio urbano da cidade ficou alguns centímetros abaixo do nível do mar, o que requer um sistema eficiente de escoamento das águas das chuvas, quer seja pelos rios, canais ou esgotos, o que na prática, não existe.  Resultado: choveu, a cidade mergulha nas águas e no caos.

A população, por sua vez, não colabora com a conservação e manutenção da precária rede de escoamento existente. Por falta de consciência (ou de educação, mesmo), atira nos canais e rios toda sorte de dejetos, desde garrafas plásticas, uma das principais inimigas dos esgotos públicos, até materiais mais pesados, como móveis, restos de construções, etc. No período das chuvas, o resultado não podia ser diferente: sem ter para onde escorrer, a água transpassa os limites dos canais e rios, invadindo ruas e casas, ou interrompendo o trânsito de veículos e pedestres, nos casos mais graves. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às barreiras, que são cortadas sem nenhum cuidado técnico para evitar futuros desabamentos. A derrubada da vegetação que cobre as encostas dos morros também contribui para a erosão do terreno, que fragilizado, termina por cair sob o peso das chuvas mais intensas. A poluição dos rios é outro fator a ser considerado como causador dos transtornos, uma vez que eles impedem um escoamento mais rápido das águas, devido a diferenças de densidade e à presença de substâncias pesadas em suspensão.  Além disso, as ocupações de áreas ribeirinhas, aliadas às áreas de aterro, têm contribuído para o assoreamento do leito dos rios, diminuindo ainda mais as opções de escoamento das águas pluviais.

E finalmente, a falta de uma política habitacional que priorize as camadas mais carentes, justamente aquelas que habitam em áreas de risco, como encostas de morros ou favelas próximas aos rios e ao mar, agravam ainda mais a questão. Os números de desabrigados, a cada chuva, crescem assustadoramente, como um sintoma do caos social no qual estamos inseridos. Com o aumento do desemprego, o êxodo rural, e o processo de favelização, mais e mais famílias põem-se a se fixar nessas áreas anecúmenas (inabitáveis) por mera falta de opção. É o que mais se escuta, "moro aqui, porque não tenho para onde ir", e no final das contas, muitos acabam indo morar é no cemitério, mesmo. E a quem cabe a responsabilidade ? ? ?

Obras de saneamento básico, e por conseqüente de escoamento das águas, não atraem votos, afinal, ficam embaixo da terra, não são como as outras que os políticos usam para se exibirem em períodos eleitorais, por isso são negligenciadas pelo poder público, interessado em garantir seus privilégios. A população, principalmente, a mais empobrecida, é que fica a mercê das cheias, alagamentos, desabamentos, e outras seqüelas deixadas após um período de chuvas, como o que acabamos de assistir.

Em pleno século XXI quando o Homem já provou inúmeras vezes sua superioridade diante das forças da natureza, é inconcebível como uma chuva intensa pode causar tantos estragos. Parece-me que não é simplesmente uma derrota da técnica humana diante da força imperiosa das águas, muito pelo contrário, o que se põe em cheque é a falta de um trabalho preventivo, que embora não pudesse evitar as chuvas, poderia minimizar seus efeitos. Isso só seria possível mediante um empenho dos órgãos públicos e da população devidamente esclarecida. Como nada foi feito, e nem sequer pensado numa estrutura de emergência para atender aos desabrigados, o saldo da tragédia anunciada das chuvas torrenciais fica como um questionamento para as gerações futuras, as quais cabe, quem sabe, solucionar tais problemas.

Um comentário: