sábado, 12 de junho de 2021

🚌⚰️🔫 GEÍZA E SANDRO - RETRATOS DA CRIMINALIDADE E DA VIOLÊNCIA NO BRASIL 🔫⚰️🚌 assalto do 174 retratou o medo e a insegurança no país.

📝 por José Ricardo de Souza

Historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE

Quem não lembra, ou melhor, quem poderá esquecer de Geísa e Sandro, protagonistas de uma das mais dramáticas histórias da crônica policial brasileira? O que poderia ter sido mais uma viagem cotidiana da professora Geísa Firmo Gonçalves (20 anos), passageira do ônibus 174 (Gávea–Central do Brasil), acabou numa autêntica tragédia, assassinada por Sandro do Nascimento (21 anos), que após uma tentativa frustrada de assaltar o coletivo, tomou-a como refém. Durante mais de quatro horas, o país parou diante da TV, para assistir as imagens chocantes, de uma simples mulher em poder de um bandido cruel, sem nenhuma compaixão. O desfecho, como é conhecido de todos, se deu da forma mais dolorosa possível: Geísa tombou diante das balas do revólver de Sandro, e ele foi morto, por asfixia, dentro de uma viatura policial. A morte pode ser igual para todos, mas a forma como a encontraram, fez de Geísa uma heroína, sepultada com todos os louros de quem perdeu a vida, mas não a dignidade. Sandro, por sua vez, foi sepultado como indigente, sem que ninguém, exceto uma mulher (que os exames de DNA comprovaram não ser sua genitora), viesse a reclamar pelo corpo.

O que deu ao caso uma repercussão ainda mais especial, foi o fato do Sandro ter sido um dos sobreviventes da chacina da Candelária (23 de juho de 1993), quando vários menores de rua foram assassinados, o que levantou especulações do tipo: "se ele tivesse morrido, não teria cometido o crime de torturar e matar a professora Geísa", numa clara alusão de que bandido bom é aquele que está debaixo da terra. Não é à toa que os chamados justiceiros, na prática matadores de aluguel, são tão elogiados por pessoas que desacreditaram na justiça legal, e apostam nos grupos de extermínio como uma saída paralela para combater a criminalidade, ou seja, reagem de forma violenta a toda uma conjuntura também violenta. As autoridades (in)competentes mostram-se cada vez mais ineficientes para refrear o banditismo, principalmente nas cercanias das grandes cidades, onde, entre becos e vielas, se formam e se consolidam grupos de foras-da-lei, dos mais diversos, desde assaltantes de banco à traficantes de drogas. As situações de pobreza e miséria, embora não sejam determinantes, acabam por servir como um facilitador para o ingresso de pessoas necessitadas de bens materiais, muitas vezes estimuladas pela sociedade de consumo, ao mundo da criminalidade.

O que fez de Sandro um bandido perigoso, mesmo tendo escapado de uma chacina? A má  índole herdada desde o seu nascimento, o que atesta que as pessoas já nascem predestinadas a desenvolverem um bom ou um mau caráter, sem que nada possa alterar seu suposto padrão de comportamento? Ou será que faltaram oportunidades, por mínimas que fossem, para resgatar daquele bandido sórdido, a pessoa humana que existia ali? Não estou fazendo defesa de bandidos insensíveis, como o Sandro, apenas acredito que muitos marginais que proliferam por aí, poderiam ter sido cidadãos de bem, caso lhes fosse oferecidos condições de sobrevivência, sem ter que recorrer ao recurso extremo do crime.

Uma sociedade organizada, em função do bem-comum, poderia ser a solução para minimizar os efeitos da criminalidade que assusta, maltrata e mata. E isso só seria possível com a democratização do acesso ao saber, com uma educação pública de qualidade para as camadas mais empobrecidas, reforçadas por um bom ensino profissionalizante, capaz de assegurar aos jovens uma colocação no mercado de trabalho. Quem estuda e trabalha, dificilmente terá tempo disponível para ser aliciado por traficantes e bandidos, que geralmente escolhem suas presas nos grupos de desocupados que proliferam às custas do desemprego. É praticamente impossível, esperar que um modelo sócio-econômico que mais excluí do que incluí, possa solucionar, mesmo que em longo prazo, a problemática da criminalidade. Afinal, tão violento quanto o cano de um revolver, que fica na cabeça de um refém, é o salário miserável pago a maioria dos trabalhadores, que ficam impossibilitados de darem às suas respectivas famílias um padrão de vida simples, sem luxo, mas com um mínimo de dignidade.

O martírio da professora Geísa demonstrou de forma clara e inequívoca as contradições de uma sociedade insegura e violenta, onde a criminalidade se traduz com requintes de perversidade extrema. A justiça legalmente instituída parece-nos impotente para contrapor-se à injustiça social onipresente em cada barraco, ou debaixo das pontes e marquises. O sangue de Geísa, assim como de tantos outros anônimos inocentes continuará a ser jorrado, como um sacrifício insano; é o preço que pagamos por julgar que a igualdade é uma utopia, a justiça social é um sonho comunista, e que a pobreza e a miséria são conseqüências naturais da vontade divina. Pobre Geísa, pobre Brasil ...

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