quarta-feira, 12 de outubro de 2011

APARECIDA - a mãe negra do Brasil


por José Ricardo de Souza*

Anualmente, milhares de pessoas, de todas as partes do Brasil se dirigem para Aparecida do Norte (São Paulo) em direção ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, onde está situada a maior igreja do Brasil: a Basílica de Aparecida. Nas procissões e romarias, o povo demonstra, de forma inequívoca, sua veneração pela mãe de Jesus Cristo, representada naquela singela imagem negra, resgatada do rio Paraíba, em 1717, por três humildes pescadores. A ela, são atribuídas muitas graças alcançadas pelas pessoas que acreditaram suas dores e esperanças àquela que mais tarde, mais precisamente em 1929, seria coroada Padroeira do Brasil. Penetrando profundamente na história de Nossa Senhora Aparecida, podemos descobrir uma rica simbologia em cada elemento presente nela.

O primeiro deles é o local onde a imagem foi encontrada, ou seja, num rio. Desde a Antiguidade, os rios sempre foram considerados locais sagrados por proverem de água às populações que deles dependiam. Na Bíblia, Moisés foi resgatado do rio Nilo (c.f. Êxodo 2, 5-6); e João Batista batizava no rio Jordão, inclusive o próprio Cristo foi batizado nele (c.f. Mateus 3, 13-17). Os rios eram considerados como fontes de vida e abundância. Do rio, a imagem foi retirada das águas. A água sempre foi considerada como um símbolo de conversão, daí o porquê de, nos batismos o ministrante aspergir água sobre a cabeça dos batizados. O próprio Jesus se definiu como “água viva” (c.f. João 4,10). Outro ponto importante, é lembrar que a imagem foi encontrada por três pescadores, igualzinhos a Pedro, André, Thiago e João, escolhidos por Jesus para participarem do ministério dos doze discípulos (c.f. Mateus 4, 17-21). Todavia, o que mais chama a atenção mesmo é a cor da referida imagem: negra. Negra, como milhares de irmãos e irmãs africanos que naquela época trabalhavam como escravos no Brasil, expostas às humilhações, à violência, às torturas e à morte.

Resumindo todo isso, podemos dizer que a aparição daquela imagem de Nossa Senhora nas águas de um rio, foi um apelo e um chamado à conversão de um país que se enriquecia às custas da exploração dos negros escravizados. Mais uma vez, Maria reafirma sua presença no meio dos oprimidos e excluídos, Ela mesma apresentou-se como um sinal, servindo-se daquela imagem para passar sua mensagem de libertação das injustiças e da miséria a que os negros estavam aprisionados, uma vez que exploração e opressão não são palavras do dicionário cristão. A imagem de Nossa Senhora Aparecida conclamava os verdadeiros cristãos não somente a repudiarem a escravidão, mas também a lutarem pela sua extinção definitiva, o que se deu em 1888, com a assinatura da Lei Áurea.

Nos dias de hoje, a população negra e seus descendentes continuam a sofrer discriminações e preconceitos, herdados dos tempos do escravismo. A mesma Nossa Senhora Aparecida que lembrava a cor dos cativos, como símbolo de luta e resistência, hoje clama contra as injustiças de nossa época, numa sociedade onde aumentam o desemprego, a violência e a exclusão. A mensagem mariana continua, assim, atualizada com o Magnificat (Cântico de Maria), onde Deus "derruba do trono os poderosos, elevou os humildes; encheu de bens os famintos, e aos ricos despediu de mãos vazias" (c.f. Lucas 1, 52-53).

Para cada romeiro, a visita à Aparecida do Norte, é muito mais do que um ato de fé; é a afirmação do compromisso de amar ao próximo e buscar no projeto da construção do Reino de Deus a inspiração para concretizar a paz e a harmonia entre os homens. Em cada oração, em cada promessa, em cada graça alcançada fica a certeza do amor de Maria para com o povo brasileiro. Ela, que é a nossa Mãe; que revela em sua negritude toda a beleza de se respeitar e dignificar o próximo como irmão e Filho de Deus. Que possamos aprender as magníficas lições deixadas por Maria, assim seja.

* O autor é historiador, escritor, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.

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