📖✍️ Por José Ricardo de Souza*
Quando alguém diz: "eu acredito em Deus", a primeira indagação que faço é: "a qual deus ela se refere?"🤔 Estaria ela falando de Iawvé, de Jesus Cristo ou de Alá, as principais divindades das três grandes religiões abrâamicas monoteístas? 🔯✝️☪️ Ou se reportando a Buda (que nem é um deus propriamente dito, assim como o Budismo não é uma religião), a Vishnu, a Ganesh, a Shiva, a Brahma, algumas das divindades do panteão asiático?🤔 Ou seria uma lembrança dos deuses do passado como Ísis, Seth e Osíris dos egípcios, Zeus, Atena e Poseidon dos gregos; Júpiter, Minerva e Netuno dos romanos; Odin, Thor e Loki dos nórdicos; Quetzalcoalt dos Astecas, etc...?🤔 (a lista é bem mais extensa, cite apenas alguns dos deuses desses povos). Será que essa menção é estendida aos deuses cultuados pelas populações indígenas e afro-brasileiras também?🤔 Assim chegamos ao primeiro ponto, que é a existência de várias divindades que foram e/ou são cultuadas por povos diferentes em épocas e culturas diversas.
O fenômeno religioso é muito mais cultural do que teológico. E mesmo assim não sustenta a ideia da existência da divindade, expressa apenas o desejo dos seres humanos de lidarem com a chamada transcendência, essa relação com o sagrado, que media nossa existência em questões existenciais como a doença, o sofrimento e a morte; ambas reflexos da condição humana, mas que em busca de sentidos e significados, o ser humano historicamente buscou uma explicação além do racional, e encontra isso no campo mítico. Religiões e religiosidades são expressões de natureza mítica, pontuadas em crenças que se explicam a partir da fé, da crença, materializada em símbolos ou espaços do sagrado. 🙏 Como fenômenos sujeitos à temporalidade e à cultura devem ser entendidas também sob o crivo das ciências humanas e sociais, como a História, a Antropologia, a Sociologia (sem esquecer da Filosofia, claro).
Outro ponto que julgo pertinente nesse debate é sobre a negação da divindade, popularmente chamada de ateísmo. A princípio é bom destacar que não existe "ateísmo" (assim como não existe "religião" no singular), mas sim várias expressões do pensamento ateísta, que é tão diverso quanto o pensamento religioso. O ateísmo de Richard Dawkins não é o mesmo de Stephen Hawking, que não é o mesmo de Marx ou de Nietzsche, só para citar alguns exemplos. Negar a existência de uma divindade e de tudo o que a ela se refere é apenas o ponto de partida para estes teóricos. Lembrando que diferentemente dos ateus, temos os chamados agnósticos, que também não acreditam, mas dizem não ser possível comprovar empiricamente a não existência da divindade, por isso preferem ficar na cômoda situação do "talvez".❓
Num país de maioria religiosa, como é o caso do Brasil 🇧🇷, existe um preconceito muito grande em relação às pessoas ateias, maior do que se imagina. 😠 Eu sempre digo que é mais fácil hoje "sair do armário" (expressão usada para quem assume a homoafetividade) 🏳️🌈 do que "sair da caverna" (numa clara alusão ao mito da caverna de Platão) . 🧐 Um candidato que se declara homoafetivo poderia até chegar a ser presidente da República, mas um ateu declarado jamais chegaria a este cargo no Brasil. 🗳️ O discurso antiateista é reforçado com frases sutis (assim como outras mazelas como o racismo também o são) do tipo "é impossível viver sem deus", "matou porque não tem deus no coração", "isso é um degenerado porque não tem fé", etc... Discurso esse reforçado pela própria mídia, principalmente nos programas policialescos. 📺 Além, é claro de condenarem os ateus ao inferno! Coisa que nem ateus acreditam que exista! 😳
Afinal, o que querem os ateus?🤔 Se você pensou que eles pretendem o fim de sua religião, você decididamente não sabe nada sobre ateísmo!😒 Aos ateus, não importa em quem ou no quê você acredita, contanto que você esteja feliz e satisfeito com as respostas que encontrou para responder aos dilemas de sua existência.😃 Ateus honestos não se preocupam em atacar ou macular religiões e religiosidades. Agora se tem um ponto do qual eles não abrem mão é sobre a laicidade do Estado. 🏛️
A laicidade é a separação entre Religião e Estado, cujas origens remontam ao pensamento iluminista que norteou a Revolução Francesa de 1789, ⚔️💣🔫 sendo um dos princípios basilares do republicanismo e portanto do Estado Democrático de Direito. O Estado laico, ao contrário do que pregam alguns religiosos mal intencionados ou desonestos mesmo, defende a liberdade religiosa e a preservação dos seus locais de culto e de suas liturgias. 🙏🛐🙏 É diferente do Estado antirreligioso que proíbe, persegue e restringe as expressões do Sagrado em seu meio. Embora alguns veem a laicidade como uma inimiga ou entrave para o desenvolvimento das religiões, ela é muito mais útil e necessária do que se imagina, principalmente num país marcado pela diversidade religiosa. Historicamente falando, já vimos que a simbiose entre Estado e Religião nunca deu certo, principalmente para as camadas mais baixas da pirâmide social. Exemplos não faltam: os faraós egípcios, os imperadores romanos, o cesaropapismo, a Igreja Católica medieval, a Inquisição, etc. 😒
As religiões e religiosidades devem ser entendidas como construções meramente históricas e culturais. Ninguém nasce judeu, cristão ou muçulmano (só para citar as três maiores do monoteísmo), mas se torna judeu, cristão e muçulmano a partir de suas experiências cotidianas mediadas pela cultura adotada pelo grupo social a qual pertencem. 🕍 💒 🕌 A fé e as crenças atribuem sentidos e significados que respondem às inquietações existenciais, e são importantes nesse aspecto porque precisamos servem como sustentação psicológica para lidar com temas dilacerantes como dores e perdas. 😞😓 Religiosos, arreligiosos, ateus e agnósticos precisam aprender a conviver pacificamente, cada qual respeitando o espaço do outro. 🤝 A minha descrença (sou ateu e não escondo isso) não me dá o direito de ofender a sua crença. Assim como a sua crença não te dá o direito de ofender a minha descrença. Ambos temos a obrigação moral e ética de respeitar as posições divergentes e procurar na convergência (sim, existem pontos comuns que ateus e religiosos concordam, como por exemplo nas discussões sobre ética) o que podemos estabelecer dentro de um diálogo interreligioso pautado nas experiências dessa relação entre profano e sagrado. Como se pode perceber temos muito o que aprender e ensinar quando deixamos nossa arrogância e soberba intelectuais de lado e nos deixamos levar pela curiosidade e pelo encanto com o conhecimento que a fé ou a descrença do outro podem proporcionar. 📚
Não temos respostas para tudo, nem certezas do nada, mas continuamos buscando entre o céu e a terra os porquês que provocam nosso raciocínio há milênios de existência. Caminhamos entre o mito e a razão, entre o dilema da vida e a dúvida do pós-morte, entre elementos que julgamos tão fortes quanto nossas crenças: ar, água, fogo, terra. Os deuses do passado viraram mitologia no presente, e os deuses do presente, o que virarão no futuro?🤔 Guimarães Rosa tinha razão quando eacreveu em seu célebre Grandes Sertões: Veredas: "Reza é que sara da loucura"?🤔 São tantas questões que se somam aquela que me fez escrever este artigo: "Deus existe?" A qual respondo que, enquanto historiador, não me atenho a existência ou não da divindade, deixando este dilema para os teólogos. A eles cabe se debruçar sobre este tema. Ao meu olhar, de estudioso das ciências humanas e sociais, ⏳ me interessam como os seres humanos 👩👩👦👦👩👩👧 agiram, sentiram, pensaram, e quais relações sociais, políticas, econômicas e culturais estabeleceram entre si baseando-se em suas crenças.
📝 O autor é historiador, professor da rede pública estadual, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista, criador do projeto Muita História pra Contar. ⏳❤️⌛