📖✍️ Por José Ricardo de Souza*
Podemos aprender muitas lições interessantes com os super-heróis dos gibis. O Super-Homem, por exemplo, apesar de seus superpoderes, ele tinha um ponto fraco: a criptonita, um mineral capaz de tirar-lhes as forças. A idéia de que o homem mais poderoso do mundo dos quadrinhos possa ser derrotado por uma simples pedrinha traz uma idéia, no mínimo, filosófica; a de que todos nós somos limitados por alguma coisa ou por alguma característica, o que não nos impede, no entanto, de ter um papel de destaque na sociedade (como no exemplo do Super-Homem). A forma como a nossa sociedade se organizou criou uma série de preconceitos justamente contra as pessoas diferentes (não utilizo a terminologia "deficiente", por considerá-la pejorativa e desvinculada da realidade), que são vistas como pessoas incapazes para estudar, trabalhar, enfim, terem uma vida normal, dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade. Sendo assim, faltam oportunidades e espaços para quem não vê, não fala, não anda, não ouve ou não consegue organizar a razão. Estes grupos ficaram relegados à exclusão social, considerados como indivíduos de terceira ou quarta categoria, sem nenhuma importância ou serventia para um modelo de sociedade calcado na visão narcisista do culto ao belo, diga-se ao corpo belo, cujo referencial de beleza é imposto pela mídia eletrônica, principalmente a televisão. Privilegia-se assim a estrutura física, e portanto visível do corpo, negligenciando-se todo um potencial cognitivo, que possa estar nele inserido. Assim, um cego ou um paralítico podem ser mais competentes do que uma pessoa "normal" mas ninguém lhes dá a merecida oportunidade ou o reconhecimento do seu valor, enquanto pessoa capaz de trabalhar, e participar da vida coletiva de sua sociedade.
Infelizmente, a nossa sociedade ainda está muito presa às aparências, se esquecendo da essência que está contida no ser das pessoas. Através dela, podemos saber quem você é, e não o que você parece ser. Portanto, de que adianta um corpo bonito, se você não sabe o que fazer com ele ? Ainda mais, sabendo-se que toda e qualquer beleza física é efêmera e passageira, vai-se com o passar do tempo, enquanto que a sua maneira de ser é um atributo que ficará por toda a sua existência. A questão de ser "diferente" das demais pessoas não define em nenhum aspecto sua personalidade, muito menos seu caráter. A noção de incapacidade que é imposta aos "diferentes" nada mais é, do que um pretexto para justificar a discriminação e o preconceito que lhes são delegados. Uma forma de legitimar a injustiça que se pratica contra as minorias "diferentes", enquanto uma maioria detém as melhores oportunidades e as colocações mais privilegiadas da sociedade. Fica, para estas minorias uma visão assistencialista e paternalista, associados com o mais puro pieguismo barato, que trata o "diferente" como um "coitadinho", incapaz de ganhar seu próprio sustento, e que por isso precisa mendigar uma pensão ou assistência do Estado. É assim que o governo e a sociedade pensam e tratam a questão do "diferente".
A prática, porém, demonstra outra realidade. Quando se dá ao "diferente" a oportunidade necessária para expor seu potencial, fica claro que o "diferente" pode, e deve, ser integrado ao mercado de trabalho, aos bancos da escola, à sociedade enfim, como pessoas capazes de terem o seu próprio sustento (para acabar com essa visão assistencialista do "coitadinho"), de manifestarem uma opinião própria, de se organizarem em associações, enfim de conquistarem seus direitos, enfim de exercerem sua cidadania. E esta começa com o reconhecimento, por parte da sociedade civil organizada, das lutas das minorias "diferentes" por oportunidades de trabalho e estudo, e por um projeto de governo que vise adaptar a sociedade para atender às necessidades dos "diferentes", como por exemplo, rampas em ruas e avenidas, e letreiros em braile nas paradas de ônibus. Com medidas aparentemente simples, a vida de centenas de pessoas podem melhorar sensivelmente, basta apenas um mínimo de vontade política dos governantes, mas aí é que reside o problema.
Em países desenvolvidos, pessoas portadoras de deficiências são vistas como seres normais, estudam, trabalham, possuem um bom padrão de renda, e são respeitadas pela sociedade. No Brasil, o "diferente" é exposto ao ridículo, muitas vezes tido como alvo de chacota por pessoas inescrupulosas, é excluído dos melhores empregos (tem muita gente que prefere colocar um mulherão na empresa a uma pessoa "diferente"), enfim é tido como um verdadeiro pária indiano, uma pessoa que paga por algum pecado, e que portanto merece a condição em que vive. Preconceitos e discriminações a parte, os verdadeiros deficientes (esses sim, deficientes mesmo, sem aspas) são as pessoas que mesmo tendo um corpo ou uma mente perfeita procuram atrapalhar a vida dos outros, não ligam para o estudo ou o trabalho, só querem viver da malandragem, prejudicando outras pessoas. Estes sim, são os verdadeiros DEFICIENTES. Não aqueles que mesmo sem ver, ouvir, andar, falar, escutar, ou pensar, dão sua contribuição para melhorar o mundo, num exercício diário de força, coragem e persistência. As pessoas que se consideram "normais" precisam aprender muito com os "diferentes", talvez eles saibam, melhor do que ninguém, demonstrar onde estão as criptonitas de nosso dia-a-dia, e assim possamos descobrir que ninguém é um super-homem, nem mesmo o super-homem dos quadrinhos. Em tempo: por uma casualidade do destino, o ator Chistoppe Lee, que interpretou o super-homem no cinema ficou tetraplégico depois de cair de um cavalo.