*por José Ricardo de Souza
Antes que comecem a ler este artigo, aviso de antemão que este não é meu lugar de fala, enquanto indivíduo de cor branca, que atende aos padrões caucasianos, mas com ascendentes indígenas e afro-brasileiros. Mas quem disse que é preciso ser negro, pardo ou mestiço para se colocar contra o racismo, a segregação racial e o preconceito à cultura e à religiosidade afro-brasileiras? Considero urgente e necessária este debate, que muitas vezes se transforma em embate, num país que se sustentou durante quatro séculos com mão-de-obra escravizada e que ainda não acertou suas devidas contas com o passado.
Se por um lado não tivemos um regime institucional de segregação racial como a apartheid sul-africano ou grupos supremacistas como a Ku-Klux-Kan dos Estados Unidos, nem por isso podemos suavizar ou relativizar o preconceito racial como fizeram Gilberto Freyre e Monteiro Lobato em suas obras, mas atentar para um lado ainda mais perigoso: a negação do racismo presente nas relações, instituições e estruturas sociais. A maioria das pessoas assumem que não são racistas, mas não negam que conhecem alguém que o seja, um amigo, vizinho, parente, etc. Essa percepção que atribuí o racismo sempre ao “outro” e nunca a “nós mesmos” é apenas uma forma de negar o óbvio: sim, a maioria da população brasileira é racista, embora não assuma isso explicitamente, mas de formas sutis e aparentemente inofensivas.
Seja por vocábulos, como lista negra, ovelha negra, “serviço de preto”, denegrir, etc.; pela perseguição à cultura afro e suas manifestações, como o rap, o funk, a dança de rua, a batalha de rimas; ou pela intolerância à religiosidade de matriz afrobrasileira, que é demonizada principalmente pelas denominações neopentecostais, vemos claramente o quanto a comunidade negra é discriminada, perseguida, silenciada e invisibilizada em vários aspectos. Quantos médicos negros você conhece? Quantos filhos de negros estudam nas melhores escolas privadas? Não é por acaso que os exemplos das perguntas acima são ínfimos, raros, e costumam ser exceções e não regra!
O debate antirracista precisa ser feito diariamente, coletivamente e insistentemente. Não se trata apenas de reparação histórica ou de vitimismo social, como apregoam esquerda e direita, respectivamente, mas de uma necessidade crucial para a construção de uma sociedade que respeite a diversidade de etnias, culturas, e religiosidades que durante séculos formaram o povo brasileiro, que é multirracial, miscigenado, e multifacetado. Quando o preconceito é a regra, a exclusão é a consequência. Racismo nem deveria existir. E se existe, é para ser combatido, rejeitado e banido da nossa sociedade.
* O autor é historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor e criador do projeto Muita História pra Contar. Sócio do Instituto Arqueológico, Histórico, Geográfico Pernambucano (IAHGP) e do Instituto Histórico, Geográfico, Arqueológico e Antropológico da Cidade do Paulista (IHGAAP). Membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista (ALAP).
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