quarta-feira, 2 de novembro de 2011

LIDAR COM O LUTO E A MORTE

Paulista, 26/06/09

por José Ricardo de Souza*

A morte inesperada de um dos maiores ídolos da música pop ainda é marcante nos noticiários e conversas de rua deste dia. O mundo atônito e perplexo chora a morte de Michael Jackson, cuja musicalidade marcou gerações de fãs e influenciou artistas de muitos países, inclusive aqui no Brasil. Confesso não ser fã declarado de Michael Jackson (aos meus ouvidos prefiro Elvis Presley), mas não deixa de chamar a atenção a história do menino pobre e negro que através da música conquistou o mundo, e que teve uma existência atribulada, dividida entre o luxo e polêmicas, como as acusações de pedofilia. O "clareamento" da pele também rendeu a ele inúmeras críticas. O que pouco era revelado era o lado humanitário de Michael Jackson, como por exemplo, na famosa canção dos anos 90 We Are The Worl (Nós Somos o Mundo) composta por ele e Leonel Ritche para arrecadar fundos para os atingidos pela fome na África. Controvérsias a parte, o fato é que Michael Jackson virou um mito, ou como dizia um filósofo antigo: "morre o homem, nasce a lenda".


Hoje faz também um ano da morte de uma das maiores cantoras que este país já conheceu: Sylvinha Araújo. Pode parecer exagero, mas de cada dez discos gravados no Brasil durante os anos 80 e 90 do século XX, a voz de Sylvinha se faz presente, nos chamados back vocais (coro), passando por vários estilos: do sertanejo ao popular, do pop ao religioso (no CD Sol Nascente Sol Poente de Pe. Zezinho ela canta em "Para sempre te Amarei" e na "Canção de Matrimônio"). O último CD dela traz uma gravação exclusiva e inusitada: pela primeira (e acredito que seja a única) vez um padre (Antônio Maria) e um pastor (Marcelo Crivela) unem as vozes para falar de fé na canção "A Luz do Senhor". O disco é belíssimo, mas como foi uma produção independente (saiu pelo selo Number One Music) não foi executado nas emissoras de rádio e TV, infelizmente. O registro de sua voz ficou eternizada para amigos, familiares e seus inúmeros fãs. Sylvinha era casada com Eduardo Araújo, ambos se conheceram em pleno movimento da Jovem Guarda. Viveram um bonito casamento de mais de 39 anos e tiveram 2 filhos. A cantora não resistiu a um câncer de mama, que lutava contra ele há 12 anos.


No último dia 24, foi a vez de relembrar a morte de Leandro (da dupla Leandro e Leonardo). A história dos meninos pobres de Goiânia que viviam do plantio de tomates e que aos poucos foram conquistando as paradas de sucessos com músicas como "Pense em Mim" e "Entre Tapas e Beijos" foi tragicamente interrompida por um câncer que encurtou a carreira de Leandro que fazia a segunda voz da dupla. Em questão de meses, os fãs acompanharam o tratamento do câncer de Leandro, mas não foi possível curar o cantor. O irmão Leonardo segue carreira-solo até hoje, mas nunca deixa de lembrar a falta que faz a companhia do tímido irmão, mesmo passados 11 anos de seu desaparecimento.


Não é fácil, e provavelmente, nunca será lidar com a morte, e muito menos com o luto daqueles que ficam. Hoje, por exemplo, pensei muito na situação de Eduardo Araújo, viúvo de Sylvinha, um anos depois que ele viu pela última vez a mulher que amou e conviveu por mais de 40 anos. Não é fácil, imagine superar essa dor, mesmo sabendo que a morte em casos como o dela e o de Leandro é um alívio diante do sofrimento causado por uma doença como o câncer. Talvez porque não seja verdade que ninguém é insubstituível, ninguém ocupa o lugar que foi de outra pessoa, por isso fazemos tanta falta quando morremos. A dor do luto é profunda demais para cicatrizar e às vezes nunca cicatriza. Sabendo que não somos imortais, todos nós temos uma certeza: um dia, não sabemos quando, nem como, seguiremos o mesmo caminho de Michael Jackson, de Sylvinha, e de Leandro... Faz parte da condição humana: ser mortal. Completar um ciclo que aprendemos na escola como o Ciclo da Vida: nascer, crescer, reproduzir, envelhecer, morrer.

A morte tem significados diferentes para culturas diferentes. O viés religioso passa necessariamente pela forma como compreendemos o fim da vida. A filosofia não possuí respostas certas para questões como por exemplo: "por que nascemos", "por que morremos", "o que acontece após a morte". Cada religião têm a sua explicação e a partir da fé pessoal de cada um, surgem maneiras diversas de ver e conviver com a morte. Biblicamente falando lembro do versículo que diz que "o salário do pecado é a morte (c.f. Rm 6,23). Para Santo Agostinho, a morte era a esperada volta da criatura (homem) ao seu criador (Deus) por isso ansiosamente aguardada por ele. Frei Betto faz uma comparação interessante em seu livro (Catecismo Popular, Editora Ática), quando nascemos todos riem e nós choramos, quando morremos todos choram e nos rimos porque estamos fazendo o caminho de volta ao Pai.

Recomendo a todos orações pelos nossos irmãos e irmãs falecidos, especialmente aqueles citados neste artigo.

* O autor é historiador, professor da rede pública de ensino, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.

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