📖✍️ Por José Ricardo de Souza*
A historiografia oficial ensina que no dia 22 de abril de 1500 o fidalgo português Pedro Álvares Cabral teria estado em Porto Seguro, numa localidade hoje denominada Baía Cabrália, sendo portanto apontado como o descobridor do Brasil. Alguns meses antes, entretanto, mais precisamente em 26 de janeiro de 1500, outro navegador teria estado em terras brasileiras, o espanhol Vicente Yañez Pinzón, e passado por Pernambuco, onde encontrou um cabo ao qual denominou cabo de Santa María de la Consolación, rebatizado posteriormente de Cabo de Santo Agostinho. Nas escolas ensina-se que Cabral descobriu o Brasil, mas se Pinzón chegou antes de Cabral por que ele não teve os méritos de descobridor e nem sequer nos livros de História ele é citado?
A questão é a seguinte: os portugueses sabiam previamente da existência do Brasil, embora não soubessem com precisão as dimensões das terras do além-mar, nem a sua localização exata. A prova maior disto é que os portugueses não aceitaram a Bula Inter Coetera (1493), um tratado feito pelo papa Alexandre IV, que era espanhol, diga-se de passagem, que dividia o mundo entre Portugal e Espanha tomando o seguinte critério: cem léguas a leste das ilhas de Cabo Verde pertenceriam a Portugal, e o resto das terras descobertas ou por descobrir, seriam da Espanha.
Se a Bula Inter Coetera tivesse sido acatada pelos portugueses toda a América seria espanhola! Portugal reagiu às pretensões imperialistas da Espanha, sua rival na corrida pelos descobrimentos, e a questão iria degenerar em conflito armado, se não fosse a assinatura do Tratado de Tordesilhas (7 de junho de 1494) que retificava a Bula Inter Coetera, expandindo os limites de Portugal de 100 para 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Na prática, representava um terço do atual território brasileiro para os portugueses, o que daria uma linha imaginária no sentido norte-sul indo de Belém (Pará) até Laguna (Santa Catarina). O que significa dizer que antes mesmo da chegada de Cabral ou de Pinzón, o Brasil, ou pelo menos uma terça parte dele, já pertencia a Portugal, de acordo com o Tratado de Tordesilhas.
A questão dos descobrimentos sempre gerou controvérsias. A começar pela própria denominação “descobrimento”, uma vez que os portugueses como já foi citado anteriormente tinham conhecimento da existência de terras além-mar. A expressão mais correta, de acordo com os acontecimentos históricos e com a documentação deixada na época, seria a de “invasão”, “ocupação” ou “tomada de posse”. Quando falamos em descobrimento é como se o Brasil fosse terra sem dono e sabemos que antes da chegada dos europeus (quer sejam portugueses ou espanhóis) aqui viviam milhares de povos e nações indígenas distribuídos por todo o território nacional que foram literalmente usurpados do direito às suas terras, isto sem esquecer que foram literalmente dizimados, submetidos a um cruel processo de genocídio, hoje restando algumas centenas de tribos aculturadas ou escondidas no interior do país.
O mais importante nesta discussão não seria aclamar este ou aquele como o descobridor do Brasil, mas apontar quais as conseqüências que este processo de ocupação europeia trouxe para a formação do nosso país e qual tipo de sociedade se formou a partir desta interação entre povos conquistadores e povos conquistados. A historiografia brasileira precisa liberta-se da historiografia européia que cita o Brasil como mero coadjuvante da nossa própria História, como se a nossa História começasse exatamente quando os europeus chegaram aqui, contrariando a existência, confirmada através de inúmeras pesquisas e estudos, de um rico legado cultural que vêm desde a pré-história brasileira, com seus sambaquis e concheiros, pinturas rupestres, e restos fossilizados que provam a existência do Homem em terras brasileiras há aproximadamente 45000 a.C (restos de uma fogueira encontrada no Sítio Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, Piauí).
Faz-se urgente que nós, enquanto brasileiros, descubramos a nossa própria História, sem deixar-nos prender pelas “estórias” que durante anos se repetem nos livros e lousas escolares, em sua maioria contadas a partir da visão dos conquistadores e dominadores, os mesmos que impuseram ao Brasil uma colonização baseada no latifúndio, com mão-de-obra escravizada e cujas riquezas serviam aos interesses dos europeus.
📝 O autor é historiador, professor da rede pública estadual, membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista, criador do projeto Muita História pra Contar. ⏳❤️⌛
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