Olá estudantes, professores, pesquisadores e amantes da ciência histórica. Neste blog vocês encontrarão vasto material de minha autoria sobre assuntos relacionados a esta ciência, além de vários links úteis para seu aprendizado. Bem vindos à nossa estranha confraria, que zela para que os feitos dos homens não se perdam nas névoas do tempo. Que a musa Clio nos guie nessa jornada pelo passado. #muitahistoriapracontar
sexta-feira, 13 de maio de 2011
A QUESTÃO ABOLICIONISTA NO BRASIL
por José Ricardo de Souza*
A principal mão-de-obra utilizada no Brasil durante o período colonial foram os escravos, trazidos da longínqua África em navios negreiros ou tumbeiros para executarem tarefas braçais, primeiramente nos engenhos de açúcar e posteriormente nas minas de ouro e pedras preciosas; e já no Segundo Império nas plantações de café no oeste paulista. A montagem do sistema colonial, ancorado no trinômio: latifúndio-monocultura-escravismo, exigia práticas econômicas que visassem lucros para a metrópole portuguesa, o que explica a opção pela mão-de-obra africana, o que representou uma fonte de lucros para Portugal, em detrimento da exploração da mão-de-obra indígena, que favoreceria apenas o mercado interno da colônia.
A importância da mão-de-obra escrava para a economia colonial brasileira é facilmente perceptível nas celebres observações do jesuíta português André João Antonil, que em seu livro "Cultura e Opulência no Brasil por suas Drogas e Minas", sintetizava "os negros são as mãos e os pés dos senhores de engenho". O trabalho escravo, quer fosse nas plantações de açúcar ou de café ou nas minas, era rígido e exaustivo, além de extremamente exploratório. A lógica do mercantilismo europeu, política econômica praticada pelos países europeus nos séculos XVI e XVII, exigia que as colônias produzissem cada vez mais para o enriquecimento das metrópoles, o que justifica a afirmação do escritor argentino Eduardo Galeano: "nossas riquezas produziram nossa pobreza, para o enriquecimento de poucos".
A passagem para uma nova fase do capitalismo, que antes era centralizado nas atividades comerciais, e que a partir de meados do século XVIII, volta-se para a industrialização, como principal fonte de geração de lucros, provoca mudanças na ordem econômica internacional, e dentro deste novo contexto, o escravismo colonial era uma instituição arcaica e ultrapassada, pois não atendia aos interesses econômicos dos capitalistas da época. O escravo, enquanto trabalhador, não recebia remuneração em dinheiro, portanto era excluído do mercado consumidor. Os países capitalistas industrializados, começaram então a aderir ao movimento abolicionista, não por razões humanitárias, mas para resguardar seus interesses financeiros. O objetivo era transformar os ex-escravos em trabalhadores livres que pudessem alugar sua força de trabalho em troca de um salário, tornando-se assim possíveis consumidores dos produtos manufaturados da época.
Os ingleses foram os pioneiros a propagar o abolicionismo, afinal a Inglaterra vivia um pleno processo de industrialização e precisava ampliar seus mercados em todo o mundo. O Parlamento inglês aprovou em 1845 o Bill Aberdeen, que proibia o tráfico de escravos e concedia à marinha inglesa plenos e totais poderes para caçar os traficantes aonde quer que eles estivessem, inclusive em águas brasileiras. O governo imperial, por sua vez, aprovou a lei Eusébio de Queirós, isto em 1850, que legalmente extinguia o tráfico de escravos para o Brasil, porém foi só "pra inglês ver", pois na prática este continuava existindo. Os senhores de engenho nordestinos, que na época estavam em franca decadência, vendiam seus escravos para os cafeicultores paulistas, o que caracterizava o chamado tráfico interprovincial.
A participação brasileira na Guerra do Paraguai (1865-1870) é um divisor de águas na história do movimento abolicionista, porque o Brasil foi para o conflito monarquista e escravocrata, mas voltou republicano e abolicionista. A campanha abolicionista ganhou às ruas e importantes políticos e intelectuais da época passaram a defendê-la, como por exemplo, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Castro Alves (chamado o poeta dos escravos), Luís Gama, etc. Surgiam então duas propostas distintas de abolição. A primeira, defendida pelos próprios negros exigia uma abolição imediata e tinha como formas de luta a fuga de escravos para os quilombos, os quais podemos citar o Quilombo de Jabaquara (o famoso quilombo dos Palmares já havia sido destruído). A segunda, proposta pelos brancos, defendia uma abolição "lenta e gradual" para não prejudicar os interesses dos senhores de escravos, e tinha como forma de luta o estabelecimento de leis abolicionistas, como por exemplos, a Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, que libertava os filhos nascidos de escravas, mas os mantém sob tutela dos seus senhores até a idade dos 21 anos; e a Lei Saraiva-Cotegipe, mais conhecida como Lei dos Sexagenários, esta de 1885, e que foi uma das maiores piadas (de mau gosto) da campanha abolicionista, uma vez que libertava os escravos maiores de sessenta anos! Pouquíssimos chegavam a esta idade, e os que chegavam estavam cegos, mutilados, debilitados fisicamente e foram abandonados, jogados na rua.
As pressões inglesas aumentavam e Dom Pedro II esforçava-se ao máximo para adiar o fim da escravidão, pois ele temia as reações dos cafeicultores, partidários da monarquia e que ainda insistiam em utilizar a mão-de-obra escrava nas plantações. Ao viajar para a Europa, Dom Pedro II deixou sua filha, a princesa Isabel, como regente. Coube a ela a assinatura da Lei Áurea, cujo dois únicos artigos declaram extintos definitivamente a escravidão no Brasil, isto em 13 de maio de 1888. A princesa, que recebeu o título de "A Redentora", acabou por dar um golpe de misericórdia no falido império brasileiro, pois os fazendeiros não foram indenizados e não demoraram a apoiar a causa republicana encabeçada pelos militares positivistas, que derrubaram Dom Pedro II em 15 de novembro de 1889, portanto um ano e seis meses depois do fim da escravidão.
A abolição não significou a liberdade total para os negros; muito pelo contrário, expulsos do trabalho não-qualificado das fazendas, sem instrução, nem recursos para recomeçar uma nova vida, os negros foram abandonados à própria sorte, engrossando ainda mais o contingente de miseráveis e excluídos. Na prática, trocaram o frio e a sujeira das senzalas pela dura realidade das favelas, expostos à fome, ao desemprego e à violência.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes do Paulista.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSimplismente fantástico, ótimo blog pois nos faz pensar no Negro e nas suas dificuldades de recomeçar a vida.
ResponderExcluir