quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Artigo - A FÉ SOBE O MORRO (José Ricardo)


"E o morro inteiro, no fim do dia
reza uma prece: Ave Maria".
(trecho de Ave Maria no Morro, Herivelton Martins)

Hoje é dia de subir o Morro, pagar minha promessa, pedir proteção à Mãe de Jesus. É dia de Nossa Senhora da Conceição. As estreitas ruas e vielas enladeiradas do Morro são ocupadas por centenas de pessoas, que vêm de todos os pontos da cidade, e até de cidades vizinhas, numa demostração de fé, devoção, respeito, carinho e sobretudo gratidão pelas maravilhas que a Maria opera na vida de quem Nela acredita. A romaria ao Morro da Conceição é uma das maiores manifestações do culto mariano no Brasil, superada apenas pelas festas de Aparecida do Norte, em São Paulo, e para o Círio de Nazaré, de Belém.

Afinal, que força estranha é essa que atrai essa multidão de pessoas ao Morro da Conceição ? Não poderia ser outra força, senão a fé que este povo sofrido deposita na Mãe de Seu Salvador. São dezenas e dezenas de pessoas, com centenas e centenas de problemas. É gente desempregada, doente, deficiente, sem ter o quê comer, nem onde morar, viciada no álcool ou nas drogas, com problemas familiares, enfim uma multidão aflita, abandonada pelos poderes da terra, pelos políticos e governantes, e que, no auge da sua dor, recorre aos poderes do céu. Nas ladeiras do Morro, a miséria se revela nua e crua, na sua expressão mais sórdida, mais desumana, numa agressão direta aos propósitos da criação divina, pois Deus fez o Homem para viver em plenitude e não como animais jogados e descartados pelo capitalismo selvagem e cruel, que enche de bens uns poucos, mas deixa a maioria na miséria.

Ah Nossa Senhora! Mãe de tantos nomes e títulos. Aparecida, do Carmo, da Penha, Auxiliadora, das Dores, do Desterro, de Nazaré, das Graças, do Bom Parto, do Perpétuo Socorro, Imaculada Conceição. Em cada nome, fica um pouco das esperanças de nosso povo sofrido, dessa gente que piedosamente se entrega à sua proteção, e busca uma saída, um caminho, a paz perdida, o consolo, a renovação espiritual e moral. Não sois uma deusa, pois Deus, só há apenas um, mas diante de Deus, diante de Jesus, não houve um amor maior do que o Seu, Maria. A Sua vida foi um testemunho de fé, de serviço ao próximo, de renúncia em nome dos desígnios de Deus Pai. “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador”. Assim revelaste Maria, segundo o evangelho de São Lucas (1,47) a Sua profissão de fé, a Sua coragem de assumir ser mãe de Cristo, mesmo correndo o risco de ser discriminada, de ser marginalizada, de ser incompreendida, como ainda hoje, algumas pessoas não entendem (ou não querem entender) quão importante foi o Seu papel para a História do Cristianismo e da nossa Igreja.

E sabem por quê, justamente os pobres se identificam tanto com Maria ? Por causa do a dimensão profética de seu testemunho em defesa dos pequeninos: “aos famintos encheu de bens, e vazios despediu os ricos” (Lc 1,53), outro trecho do Magnificat (o Cântico de Maria). Maria é a grande Mãe espiritual, que acolhe, que anima, que dá esperança, que alegra essa gente, que não sabe mais sorrir, por que a desigualdade social e o peso das injustiças lhe tiraram a alegria de ser sentir Filhos(as) de Deus. Jesus, é o Filho Bendito, o Esperado para ser o Messias, a grande Redenção da Humanidade. E qual filho, por pior e mais insensível que seja, consegue recusar aos apelos de sua mãe ? Ainda mais, se tratando de Jesus, que é a própria encarnação da misericórdia divina. Não é, pois á toa, que as pessoas dizem: peça à Mãe, que o Filho atende. Que maravilha saber que nunca estamos desamparados em nossos sofrimentos, quando temos uma Mãe, que sempre apela nos momentos de maior desespero.

Neste dia, 8 de dezembro, eu também quero demonstrar meu amor e minha gratidão por Maria. Vou me juntar às centenas de pessoas que subirão a ladeira do Morro hoje. Em cada passo, fazer minha reflexão, renovar minha fé, buscar a espiritualidade. Nas minhas orações, nunca esquecer de rogar pelos empobrecidos, pelos marginalizados, pelos excluídos, enfim. Que a Mãe do Meu Senhor, tenha compaixão e misericórdia de nossa gente brasileira. Nunca Maria, precisamos tanto, mais tanto mesmo, de Sua proteção, como nos nossos dias, em que a violência, a miséria e a injustiça campeiam como sementes do mal e das trevas. Nossa Senhora da Conceição, do Seu Morro, abençoai a cidade e o povo do Recife, lançai um olhar sobre os barracos, as favelas, os mendigos ... Lembrai desta gente humilde. “É gente humilde, dá vontade de chorar”... Assim seja, amém.

* O autor é historiador, professor, e escritor. Membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.

Publicado na Folha de Pernambuco, página de cidadania, edição de 7 de dezembro de 2002.

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