sábado, 24 de dezembro de 2011

NATIVIDADES - um novo sentido para a festa de Cristo


por José Ricardo de Souza*

Passados mais de dois mil anos do nascimento de Cristo, segundo o calendário cristão gregoriano, a humanidade mais uma vez celebra as comemorações do natal. As festividades natalinas envolvem emocionalmente qualquer mortal da nossa civilização ocidental cristã. E tudo isso gira em torno do nascimento de uma pessoa muito importante para a humanidade: Jesus Cristo. Segundo contam os evangelhos, Ele nasceu numa manjedoura, local onde eram guardados os animais à noite, privado de qualquer conforto ou bem material, o que confere ao fato um significado especial: o Filho de Deus não nasceu num berço de ouro como um príncipe de sua época, nem era filho de nobres abastados, sua entrada no mundo terrestre se dá exatamente entre os pobres e excluídos de seu tempo. Seus pais, Maria e José, pertenciam a um grupo pobre de Judá, sem grandes posses e ainda por cima sob o jugo do poderoso Império Romano.

O nascimento de Cristo traz a primeira lição dos evangelhos, embora nenhuma palavra expresse isso no texto sagrado, fica clara nas entrelinhas a lição de humildade de Jesus Cristo, algo que aliás, Ele mesmo destacaria mais adiante. E mais, no primeiro natal da humanidade não havia sequer lugar para aquela pobre família descansar, sentir-se acolhida, e para Maria receber Seu Filho. Fica a questão: e hoje será que há lugar para todos nos nossos natais, sem distinção de classe social, de cor, de sexo, de nacionalidade, ou será que continuamos tão preconceituosos quanto os moradores de Belém que recusaram receber à Maria e seu esposo?

Infelizmente, pouco ou quase nada aprendemos do verdadeiro sentido do nascimento de Cristo. Os nossos natais perderam o caráter religioso para transformarem-se em meros reprodutores do consumismo desenfreado, alimentado pelas ilusões dos shoppings e das promoções da vida. O elemento motivador já não é mais o Cristo, mas o presente mais caro, a roupa mais bonita ou a ceia mais farta. Para o natal, pensam em tudo, menos na principal pessoa dessa festa, esquecem o principal, o aniversariante, Jesus Cristo.

As cidades iluminadas e coloridas escondem apenas o óbvio, seres descartados ou descartáveis pela sociedade de consumo, aqueles que não tem sequer um mínimo para sobreviver com dignidade. Pequeninos, excluídos, empobrecidos, esquecidos, não estaria Cristo escondido em cada um deles. Penso que se Cristo nascesse hoje, seria tão discriminado quanto o foi em sua época, pois custa-me acreditar que Jesus nasceria num apartamento de cobertura com vistas para o mar. Talvez nascesse numa favela, ou entre mendigos de rua. E isso não desmereceria sob nenhuma hipótese o propósito de sua missão: mostrar aos homens o quanto estamos enganados a respeito de nossas concepções de vida, de fé e de Deus, e como precisamos mudar nosso modo de ser e viver.

O mistério do natal está longe das grandes e pomposas celebrações que realizam-se nas catedrais, distante dos banquetes dos opressores e poderosos, afastado dos princípios capitalistas do deus mercado e longe do fascínio do luxo e do poder que escravizam os seres humanos. O natal identifica-se mais com a solidariedade das mãos que cobrem quem não tem agasalho, que saciam quem sente fome e sede, que partilham o pouco com muitos que nada tem. No natal de Cristo, pés não servem para afastar-se dos irmãos, mas para irem ao encontro, principalmente daqueles menos afortunados. E aos olhos cabe a missão de enxergar mais além, não apenas o ser humano que habita num corpo frágil e inconseqüente, mas o próprio filho de Deus, a essência do Cristo que vive e habita em cada um de nós.

O natal não é, e não podemos deixar que transforme-se, numa mera festa profana, sem vínculos religiosos, atrelada aos sensacionalismos consumistas da mídia e das estratégias arrojadas de marketing, visando apenas o lucro fácil e sem escrúpulos, ou como ouvi certa vez, ”transformaram o natal num velhinho idiota que só pensa em comprar e gastar, gastar e comprar”.

Apesar de todo esse esforço em desvirtuar o natal dos ensinamentos de Cristo, ele resiste como um dos momentos mais marcantes da liturgia cristã, uma época cujos encantos e magia catalisam até o coração mais rude e insensível. É como se a humanidade parasse um pouco sua louca corrida rumo ao caos e aos prazeres materiais e carnais e percebesse quantas lições simples e úteis foram deixadas no nascimento de Cristo. Pena que pouco conseguimos beber dessa fonte de inspiração e ação divinas.

O sentido do natal transcende nossa limitada sabedoria humana. Vai muito mais além do que uma noite para festas e comemorações familiares. O natal ou natalle, como escreviam os antigos é convite para outros nascimentos além do de Cristo. Mostra-nos o quanto precisamos nascer em atitudes, pensamentos e palavras que expressem a nossa fé naquela criancinha de Belém, que numa noite tão longínqua trouxe para a humanidade uma nova mensagem de paz, esperança e amor.

Para nós, pouco importa se, de acordo com as pesquisas históricas, Cristo nasceu no ano 3 antes do calendário Cristão, ou se o vinte e cinco de dezembro foi uma data escolhida pela igreja medieval para facilitar a conversão dos bárbaros ao cristianismo, pois é nessa data que ocorre o solstício (dia em que o sol está no ponto mais alto do perímetro celeste) no continente europeu e era nesse dia que tais povos realizavam festas pagãs para homenagear suas principais divindades. Talvez, jamais saberemos a data exata do nascimento de Cristo, o mais provável de acordo com os cronologos, pessoas que estudam datas e calendários, é que tenha ocorrido nos meses de maio ou julho.

Todas essas especulações são indiferentes, quando lembramos que o vinte e cinco de dezembro é a data em que comemoramos e celebramos o nascimento de Jesus Cristo. Para nós, cristãos, isso é o essencial, o resto pode ser questionado ou estudado. Mas a essência do natal jamais se encontrará nos livros ou em tratados extenuantes de filosofia. Ela está bem guardada nos corações dos pequenos, dos humildes, dos caridosos, dos iluminados pela luz da fé. Aos sábios, ela pareceu uma loucura, uma utopia ou uma quimera, mas aos simples ela revelou todo seu esplendor, toda a singeleza de uma nova mensagem: amai-vos uns aos outros, este é o meu mandamento.

Feliz Natal. É o mínimo que posso desejar-lhe amigo leitor, pois só você é capaz de fazer nascer o Cristo, que habita em seu coração. Só assim você descobrirá um novo sentido para o natal.

* historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.

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